RACIONALIZANDO

 

 

O fato de eu ter visto esta semana o Presidente Lula se lambuzando (literalmente) no petróleo retirado do Pré-Pré-Pré-Sal, mexeu com as minhas reminiscências. Não pude evitar uma viagem maionesética para mais de 17 anos atrás. Naquela época, ao contrário de agora, vivíamos um tempo de vacas magras em termos de petróleo. Então, para estabelecer um contraponto com esta euforia brasiliana de agora, uma happy hour governamental, um “déjà vu” ao contrário, ou quem sabe até para valorizar nossa sorte de hoje, eu reescrevo abaixo um artigo meu que foi publicado na revista VEÍCULO de março de 91.

 

RACIONALIZANDO ...

 

2C8H18 + 24,502 + 92,12N2     16CO2 + 17H20 + 92,12N2 + ENERGIA

 

Esta é, provavelmente, a equação de combustão completa que mais se aproxima da queima do diesel – ou de outro combustível derivado do petróleo. E o petróleo é, com certeza, um produto que, irradiando um calor infinitamente maior do que sua energia pós combustão, envolve toda a humanidade não só elevando a sua temperatura emocional mas, principalmente, chamuscando indelevelmente a sua racionalidade.

 

17/01/91 – Entendendo que o país necessita economizar combustíveis em função da guerra no Golfo Pérsico, o governo brasileiro (Collor) lança, através de decreto, o Programa de Contigenciamento e Racionalização de Combustíveis.

 

31/01/91 – É anunciado o “Plano Collor 2” que, entre outras coisas, determina um pesado aumento nos preços dos combustíveis, sendo o diesel majorado em 50%.

 

Por trás destas ações podemos perceber o desejo inconteste do governo brasileiro de obrigar o país a uma racionalização de combustíveis.

 

Se formos aconselhar-nos no “Aurélio” verificaremos que a palavra racionalizar significa: tornar racional; tornar reflexivo; inclinar à reflexão. Em qualquer sociedade que se preze, a prática da racionalidade deve constar entre seus valores mais positivos. Isso significa que a capacidade de perceber a necessidade de mais racionalizar não é privilégio dos governantes, não pode ser imposta e não é sazonal. É, sim, um produto da educação, responsabilidade primária dos governos.

 

Pela forma como a sociedade vem reagindo às últimas propostas, temos um exemplo clássico de que o governo tem aplicado mal também as idéias. Tem definido bem “o que” e se enganado no “como”; acertado no “conteúdo” e tropeçado na “forma”. Se compararmos as ações técnicas e as ações políticas como, respectivamente, os tijolos e a argamassa de uma construção, podemos deduzir que saímos de um governo (Sarney) que tentou construir o Brasil só usando argamassa para outro (Collor) que quer construir só usando tijolos. Em que pese as dificuldades étnicas, culturais e econômicas, é um atestado inequívoco de que continuam não sabendo como motivar a sociedade a agir de forma coesa.

 

Todos sabem que, para conseguirmos caminhar juntos em uma mesma direção só existe uma saída: NEGOCIAR. Entretanto , é importante lembrar que um processo efetivo de negociação só acontece quando as partes detêm igual poder de barganha. Na atual situação, onde cada agente econômico tem um poder disforme e tenta safar-se como pode de perdas iminentes, a tendência é de um “débâcle” que pode levar todos ao real fundo do poço. Por outro lado, a conscientização geral de que “negociar não é lesar o outro” ainda vai demorar e, por sua vez, vai acarretar um custo social ainda mais alto. Por isso tudo indica que só haverá negociação, ou pacto, ou entendimento nacional, quando todas as partes sentirem-se solitariamente impotentes. Isso pode tornar-se eminentemente explosivo pois o país não dispõem de mecanismos de proteção social.

 

Para o Setor de Transporte este deve ser, sim, um momento de muita reflexão. Não é sempre que se enfrenta uma redução da oferta de serviços com um considerável acréscimo nos custos. O perigo nessa hora é o Setor entrar em letargia. Aqui também torna-se válido e interessante levantar as questões de conteúdo e forma.

 

Na administração do conteúdo torna-se fundamental avaliar, racionalmente, todos os custos da empresa, sejam eles financeiros, operacionais ou administrativos. Atenção especial deve ser dada ao fluxo de caixa e aos níveis de estoque. Ações específicas na área de manutenção e tráfego podem ter efeito instantâneo na redução do consumo de combustível. Toda a disponibilidade de pessoal pode ser aproveitada na manutenção geral e dos veículos. O planejamento de ações futuras passa a ser um caminho racional e estratégico.

 

A correta administração da forma envolve a descoberta de como implementar as ações delineadas. O processo será tanto melhor quanto maior for a participação de todo o pessoal. Quando é necessário congregar pessoas, a forma torna-se mais importante que o conteúdo. Planejar ações futuras com o auxílio de todos, além de induzir a reflexões oportunas, conduz a idéias inovadoras. Montar planos de treinamento (abstendo-se do conceito atual de que “treina-se para os concorrentes”) pode contribuir para o aumento da confiança do grupo. A manutenção do astral positivo dentro da empresa custa menos do que as conseqüências das energias negativas geradas pela insegurança.

 

Por fim, sabendo-se que o país não vai parar, qualquer caminho que a empresa venha a tomar passa, necessariamente, por uma boa política de pessoal somada a uma criteriosa avaliação das suas diretrizes administrativas e operacionais. Cada empresa possui uma cultura própria e nada deve ser feito sem levá-la em consideração. A partir disso o que importa é, realmente, racionalizar as idéias e agir, sem esquecer que quanto mais sabiamente forem dosados os tijolos e a argamassa, mais segura ficará a reconstrução.

 

“Em termos de petróleo hoje eu diria: Snif,Snif!!

Eu era infeliz e não sabia!”

 

Erlei Moreira

Engenheiro, Professor,

Consultor e Escritor.

 

 

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