PERCEPÇÃO AUTOCRÁTICA

 

 

Saiu o Leão a fazer sua pesquisa estatística, para verificar se ainda era o Rei das Selvas. Os tempos tinham mudado muito, as condições do progresso tinham alterado a psicologia e os métodos de combate das feras, as relações de respeito entre os animais já não eram as mesmas, de modo que seria bom indagar. Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto a sua realeza. Mas assegurar-se dessa realeza é uma das constantes do espírito humano, e, por extensão, do espírito animal. Ouvir da boca dos outros a consagração do nosso valor, saber o sabido, quando ele nos é favorável, eis um prazer dos Deuses.

 

Assim o Leão encontrou o Macaco e perguntou: “Hei, você aí, macaco! Quem é o rei dos animais?” O Macaco, surpreendido pelo rugir indagatório, deu um salto de pavor e, quando respondeu, já estava no mais alto galho da mais alta árvore da floresta: “Claro que é você, Leão, claro que é você”.

 

Satisfeito, o Leão continuou pela floresta e perguntou ao papagaio. Quem é, segundo seu conceito, o Senhor da Floresta, não é o Leão?” E como aos papagaios não é dado o dom de improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o papagaio: “Curupaco... não é o Leão? Não é o Leão? Curupaco, não é o Leão?”

 

Cheio de si, o Leão prosseguiu em busca de novas afirmações de sua personalidade. Encontrou a coruja e perguntou: “Coruja, não sou o maioral da mata?” “Sim, és tu”, disse a coruja. Mas disse de sábia, não de crente. E lá se foi o Leão, mais firme no passo, mais alto de cabeça.

 

Encontrou o tigre. “Tigre - disse em voz de estentor (voz muito forte) - eu sou o rei da floresta. Certo?” O tigre rugiu, hesitou, tentou não responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão fixo em si, e disse, rugindo contrafeito: “Sim”. E rugiu ainda mais mal humorado e já arrependido, quando o leão se afastou.

 

Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão encontrou o elefante. Perguntou: “Elefante, quem manda na floresta, quem é Rei, Imperador, Presidente da República, dono e senhor de todas as árvores e dos seres, dentro da mata?” O elefante pegou-o com a tromba, deu três voltas com ele pelo ar, atirou-o contra o tronco de uma árvore e desapareceu floresta adentro. O Leão caiu no chão, tonto e ensangüentado, levantou-se lambendo uma das patas, e murmurou: “Que diabo, só porque não sabia a resposta não era preciso ficar tão zangado!”

 

Trazendo esta questão para o mundo humano, você já conheceu alguma pessoa com características semelhantes à desse leão? Notadamente os Chefes – donos de empresa ou não? Eu conheci! Vários!!! E para todos eles – em que pese os grandes prejuízos que tive – eu sempre fui o elefante. Mas vamos tentar entender um pouso isto?

 

Na organização social, já é sabido, o uso do poder é uma necessidade, quando associado à responsabilidade. Na empresa não é diferente. Portanto, esta reflexão que aqui fazemos não pretende questionar a necessidade do poder como “meio”, mas a forma como ele, na maioria das vezes, é utilizado: como “fim”. A propósito, considera-se como detentores do poder nas empresas não só a Diretoria, mas todos os ocupantes de cargos que gerenciem pessoas.

 

Isso acontece porque, particularmente no Brasil, observa-se um fato interessante quanto à formação das empresas. Pesquisas já demonstraram que os brasileiros são empreendedores, pois sempre estão querendo montar seu próprio negócio. Nada mal, não fossem as razões que alimentam estas características: a incapacidade das empresas em promover a satisfação dos seus funcionários com o trabalho. Os insatisfeitos no emprego, tão logo conseguem virar empresários, por tendência, sofrem uma transformação radical: deixam predominar o seu lado paternalista e autoritário, características fortes em qualquer povo latino.

 

Acontece que, para uma pessoa assumir seu lado paternalista, vai precisar de alguém que lhe seja submisso - como se fossem o macaco, o papagaio, a coruja e o tigre da história acima. Como ninguém é naturalmente submisso, esse novo empresário, através do seu poder de recompensa e punição, acabará forçando a criação de um sistema feudal na empresa. Sistema esse onde os profissionais não-conformistas e assertivos dificilmente conseguem sobreviver. Assim, insatisfeitos, serão os próximos candidatos a futuros empresários, paternalistas, autoritários, carentes de obediência, etc, etc, etc. E a história se repete!

 

Não bastasse isto, nos níveis intermediários acontece uma coisa ainda mais curiosa. Normalmente são ocupados por dois tipos de pessoas: as insatisfeitas, que não se julgam em condições de sair e transformam-se em parasitas funcionais; e aquelas que, aceitando o jogo da submissão, desempenham dois papeis dentro da pirâmide hierárquica: são submissos para cima e opressores para baixo – este está mais para leão, né?. Uma sistematização perfeita do uso conturbado do poder.

 

Discutir sobre a má utilização do poder nas organizações não faz parte da rotina empresarial, mesmo numa sociedade da era da informação. Isso porque, falar do mau uso do poder na empresa é tocar nas deturpações da personalidade de quem o exerce, que em boa parte das vezes é o próprio dono da empresa. Normalmente são pessoas incapazes de sintonizar o poder de direito - conferido ao cargo - com o poder de fato - conquistado pela liderança.

 

Representando o direito concedido a alguém para deliberar sobre coisas que interferem na vida de outras pessoas, o poder precisa ser utilizado com sabedoria e talento. Mas não é isto que se observa. Por exemplo: racionalmente o poder é mal utilizado na empresa quando determinada chefia, não sabendo conviver com opiniões contrárias às suas, monta verdadeiras arapucas para prejudicar quem ousa questionar seus posicionamentos. Olha o leão aqui de novo! Ou mesmo xinga seus supervisados em público utilizando-se de ironia, sarcasmo, indiretas ou deboches.

 

Nessa direção há pesquisas apontando que, nas grandes empresas, mais de 50% do tempo dos seus executivos são utilizados em manobras de bastidores. Como se vê, um habitat perfeito para manter a cultura do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, jargão usado por muitos chefes que emocionalizam o uso do poder. Por isto, o Chefe do tipo do leão deste artigo ainda vai ter habitat nas empresas por muito tempo ainda! A não ser que os elefantes se reproduzam como coelhos!

 

Erlei Moreira

Engenheiro, Professor,

Consultor e Escritor.

 

 

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