"IN  MEMORIAM"

 

 

... - Mãe? - Sim! Você está chorando? - É o pai! - Que aconteceu? - O que a gente não queria que acontecesse! - Meu Deus! - Não chore, mãe! A vida é assim mesmo. Todos nós vamos morrer um dia. Foi um derrame, AVC, me disseram.

 

... - Oi Z, soube da última? - Qual? - Lembra-se do Erlei? – Sim! Aconteceu alguma coisa? - Empacotou! Dizem que foi um ataque cardíaco. - Coitado! E a família dele? - Sei não! Deve estar arrasada, né?

 

... - O Erlei? Aquele metido a intelectual que escrevia difici nos jornal de Lavras? - Sim, eu também não entendia muito bem o que ele iscrevia. Acho que ele ficava com o dicionário na mão só procurano palavras difici. - J, não fica bem falar mal de quem já morreu, né! Cruzes!

 

... - Sabe! O Erlei voltou muito diferente do que era antes de ir para BH. - Mais estudado? - Acho que é por isso que os amigos dele de infância não o reconheceram. - Mas tem mais pessoas que não o aceitavam. Afinal, ninguém gosta de dividir espaço com paraquedista, né?

 

... - Não estou conseguindo entender! Diabetes? Isso mata? Ele não tomava remédios? – Será que ele esqueceu?

 

... - Mãe, e agora? Onde ele está? - No hospital, ainda! Mais tarde vai pro velório. - Qual velório? – Ele queria que seu velório fosse com batucada de samba! - Eles permitem? – Acho que não. Temos que arrumar um outro lugar. Talvez um salão. Pedido de morto não pode ser negado.

 

... – Velório com samba? Isso não é estranho, G? - Sim, H, nunca vi isso! Deus me perdoe e me guarde! Faiz sinal da cruiz, H!

 

... – O Erlei num é aquele mais novinho que tava pra BH? – Sim! - Morreu de que? – Rim ou estamu, tão dizeno. Agora ele morava em Lavras.

 

... – Ele quase não saía de casa. – Por que será que ele não saía de casa? – Acho que trabalhava, escrevia, sei lá! Ele era muito estranho. – Estranho por que? – Já viu batucada em velório? Outra! Ele morava sozinho! Ninguém nunca viu ele com namorada! – Hummm! Será?

 

... - Parece que ele comprava e vendia uns trecos nessa tal de internete.   

 

... – Oi, F, você por aqui? Era amigo do falecido? – Amigo de um amigo dele. Estou vindo para assinar o livro de visitas, ou condolências, sei lá! Parece que ele estava ficando influente na cidade, nunca se sabe!  E você, comprou aquele carro que você estava de olho? – Ainda não!

 

... – T, eu não conheço os parentes desse Erlei. Quero dar os pêsames. Você me ajuda? ... -Bonitão, né M? – Acho não! Reze calada e respeite o difunto!

 

... – J, ele chegou a lançar o livro que estava escrevendo? – Acho que não, M, mas acho que ele já tinha terminado. – A família vai publicar? – Não sei! Ah! Ali vai a filha dele! Vamos perguntar?

 

... – Ahhhhhhhh!!!! Nossa! Velório é um saco, né T?

 

... - Olha ali um grupo dançando! – Fim do mundo!

 

... - Menina, seu pai escrevia livros? – Sim! – Sobre o que? – Acho que é de auto-ajuda!

 

... – E agora que o Erlei se foi, K, quem vai ocupar a coluna dele nos jornal? – Ele mesmo, Zé Mané! Antes de morrer ele contratou uma pessoa para psicografar os futuros artigos dele, ô Cabeção! - Num goza, né!

 

... – Deus o tenha! Foi uma pessoa tão boa! Soube que não matava nem barata nem rato! – Credo! Que nojo!

 

... – Porque eles não tiram o caixão desse carrinho? As pessoas gostam de carregar, não? – Ele tá muito pesado!

 

... – É, T! A vida num vale nada mesmo! Antes de ontem eu falei com ele, cheio de projetos, ia se casar com uma garota bem mais nova que ele! De Salvador, da Bahia! Dele, agora, só mesmo o que ele escreveu!

 

... – D, joga sua flor em cima do caixão e vamos embora. Não gosto de cemitério!

 

É! À primeira vista pode parecer sarcasmo da minha parte mas, criar esta cena velórica da minha própria morte, foi a maneira mais carinhosa que eu encontrei de agradecer a: Jesus Cristo; Moisés; Abraão; Maomé; Oxalá; Alá; Shiva; Grande Arquiteto do Universo; Osíris, Íris e Hórus; Espírito Santo; Buddha; Zeus; Tot; Rá; Odin; Eru Llúvatar; Zoroastro; Guru Nanak; Báb; Gahá’u’lláh; Krishna; Brahma; Ganesh; dentre centenas de outros Deuses, o fato de eu ainda estar vivo, na dimensão humana, neste dia 29/12/2007 em que completo 62 anos de idade - Ufa! Quase perdi a respiração neste texto sem ponto final – lembrei-me de Clarice Lispector!

 

Uma dádiva! Não somente por eu estar vivo - ainda - mas, principalmente, por eu ter conseguido me fazer do jeito que eu sou, um franco-atirador que se permite brincar com seus próprios medos, preconceitos e dogmas, mas que mantém intacta e intocável a dimensão divina do meu EU! Parabéns prá você, prá mim, Erlei!

 

Por oportuno, gostaria de externar meus pêsames aos familiares do jornalista e escritor Hugo de Oliveira. Quando fui para BH, em 1971, ele já era famoso por aqui. Para o Hugo de Oliveira eu “tiro o meu chapéu” pois ele, polêmico e combativo que sempre foi, exercia com maestria a função que um bom escritor ou colunista deve exercer em seus leitores: o desconforto. Se alguém lê um livro ou um artigo e este lhe provoca alguma instabilidade emocional, positiva ou negativamente, então o autor do texto cumpriu o seu papel, que é o de instigar o leitor a questionar ou parabenizar a si próprio ou o autor. Data vênia, ninguém conseguia ficar indiferente ao mestre Hugo de Oliveira. Ou o amavam, ou o odiavam! Que Deus O tenha!

 

Erlei Moreira

Engenheiro, Professor,

Consultor e Escritor.

 

 

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