EXCELÊNCIA EM SERVIÇOS - VII

 

RELAÇÕES EPICENAS


POSFÁCIO

 

O primeiro artigo caracterizou o que é a Era dos Serviços e como ela surgiu. O segundo mostrou que qualquer mudança só é possível se for conduzida pela Direção da empresa. No terceiro e no quarto artigos falamos genericamente das etapas para a implantação de um programa de Excelência em Serviços. No quinto e sexto artigos falamos sobre a Etapa I - Identificação das Demandas, mais exatamente sobre disponibilidade financeira, vontade política e demandadores.

 

Continuando ...

 

Neste sétimo artigo, ainda na etapa de Identificação das Demandas, vamos falar um pouco sobre Demandas Promíscuas.

 

Muito se tem falado e escrito sobre como uma organização deve tratar seus clientes. Uma relação onde se recomenda que o cliente seja encantado, entronizado, endeusado etc. Em se tratando de um cliente “pessoa física”, envolvê-lo emocionalmente parece ser uma proposta excitante, considerando que muitas vezes a relação comercial é desenvolvida no campo pessoal.

 

Mas, que intenções devem habitar a relação entre uma empresa e seu cliente, quando este é uma outra empresa ou governo? Encantamento? Sublimação? Endeusamento?

 

Ora, se o seu cliente é uma “pessoa jurídica”, então você ganha outra classificação: a de fornecedor. Segundo o Aurélio, significa aquele que abastece, que supre. Se assim é, então temos outro tipo de relação: a parceria. Uma relação que não precisa ser emocional uma vez que ela se estabelece a partir de interesses comuns, certo?

 

Errado! Na prática, as coisas são bem diferentes. Prova disso é o que se passa na sala e ante-sala de um comprador ou qualquer pessoa que tenha poderes ou influência na empresa e nos governos para escolher ou indicar um fornecedor. Enquanto na ante-sala os representantes das empresas interessadas em fornecer produtos ou serviços trocam os mais significativos olhares (indiferença, curiosidade, desânimo, raiva etc.), na sala ao lado é comum o comprador, ou seu preposto, manter seus supridores esperando o maior tempo possível para que fique bem claro quem é o dono da situação. Quando, enfim, resolve atender a pessoa, uma das coisas que faz é chamá-la pelo nome da empresa que representa.

 

Tratar o fornecedor com frieza e indiferença, fazer jogos psicológicos, soltar indiretas, não respeitar a ordem de chegada, não atender ao telefone (mandando a secretária dizer que não está, com o bocal do telefone aberto), cortar preços sem necessidade só para fazer pressão, dentre outros, faz parte do Manual de Guerrilha que algumas insuspeitáveis empresas e governos utilizam para orientar seus prepostos compradores na obtenção de vantagens adicionais dos seus fornecedores. Uma relação que se caracteriza muito mais como sendo de adversários do que de parceiros.

 

Pior ainda para o fornecedor é quando o seu jeito de ser desagrada o representante da empresa ou governo para quem quer fornecer. Aí, não vai adiantar ter bons produtos ou os melhores serviços. Menos pior, entretanto, é quando todo esse charme do comprador for apenas uma chave para abrir a porta do suborno. Nesse caso, as partes deixam de ser parceiras, ou mesmo adversárias, para serem corruptores coniventes, muitas vezes enganando-se com promessas ardilosas que, sabidamente, não vão cumprir. E o ciclo se completa confirmando que a relação de sedução entre empresa-cliente pode acontecer independentemente de serem pessoas “físicas” ou “jurídicas”. O que nos leva à lamentável conclusão: a relação comercial no Brasil, talvez devido à falta de profissionalismo ou mesmo pela impunidade dos descaminhos da corrupção, é muito subjetiva e emocionalizada. Este é o método que permeia as relações empresa-empresa e, principalmente, empresa-governo. Que o diga as últimas constatações de corrupções que envolvem empresas e um Ministro do STJ, o Ministro da Minas e Energias, o Presidente do Senado, dois Governadores, Deputados, Senadores e centenas de funcionários públicos. Uma relação absolutamente promíscua entre representantes eleitos e funcionários públicos com empresas privadas. Um lamaçal sem fim envolvendo comprador-fornecedor. A princípio, um problema sem solução pois a Justiça brasileira, além de ser lenta, está também envolvida no esquema de corrupção.

 

Por isso, vale aqui refletir sobre algumas possíveis razões e seus prováveis motivos para que as coisas assim aconteçam.

 

O instinto de competição faz parte da natureza humana. Segundo Darwin, o próprio homo sapiens sapiens é produto dessa competição. Portanto, nada mais natural que cada um busque o seu melhor. Entretanto, por deturpações do inconsciente coletivo brasileiro, a sociedade tem valorizado aqueles que, de uma forma ou de outra, detenham poder social. Não o poder de perícia ou o poder de referência, mas o poder de capital e o poder de representatividade.

 

O capital, por ser uma meta competitiva e por representar uma reserva técnica do trabalho, tem um dos maiores índices de poder social: a sociedade incentiva os cidadãos e cidadãs a buscarem indiscriminada e exacerbadamente esse poder através do crescimento patrimonial. Ao detentor do poder do capital, ou ao seu representante legal, tudo é permitido. Inclusive o desrespeito à lei.

 

Nos diversos segmentos sociais, o uso do poder é uma necessidade quando associados à responsabilidade. É, portanto, justificável como meio, mas não como fim. Sendo o homem tão susceptível ao uso inadequado do poder, as empresas e governos precisam estar muito atentos. Afinal, poder é o direito dado a alguém de deliberar sobre coisas e situações que interferem na vida de outras pessoas, sem o consentimento prévio destas. Todos os povos latinos, brasileiros entre eles, têm características paternalistas. Como este estilo só existe em ambientes autoritários, ou seja, com autoridades e subalternos, está criado o clima para uma relação clássica do uso do poder pelo poder, onde quem se negar a alimentar a corrupção desse status quo sofrerá punição exemplar. Na relação comercial, ter punição exemplar significa ser banido do quadro de fornecedores. Independentemente de tratar-se da melhor opção para a empresa ou o governo contratante.

 

Resumindo, a relação comercial entre empresas e/ou governos precisa ser profissionalizada. Para isso, é necessário promover a formação técnica e, fundamentalmente, eclética dos profissionais envolvidas nessa relação. Permitir aos representantes legais do poder de capital das empresas e dos governos, o acesso à visão holística do sentido de nação. Experiências estas que talvez sejamos capazes de levar em frente se nossos empresários, dirigentes públicos, políticos e juízes resolverem punir os corruptos que estão de plantão nas áreas de compras das empresas e dos três poderes constituídos da República, dos Estados e dos Municípios.

 

                        Continua ...

 

Erlei Moreira

Engenheiro, Professor,

Consultor e Escritor.

           

 

 

RETORNAR