CARTÉIS
AUTOFÁGICOS
Diz um adágio popular – não sei se cientificamente
correto – que a diferença entre o remédio e o veneno é a dosagam.
Semanas atrás eu
acordei de madrugada tendo um insight - compreensão
intuitiva. Levantei e sentei-me na cama. Acendi a luz! Eram 02:15h
de 16/02/07. Entreguei-me às reflexões! Quase como um “déjà vu” -
aquilo que parece que já vivenciamos antes - as idéias foram
jorrando de mim, quais rios em estuário comum formando um enorme
delta. Finalmente as minhas angústias, regorgitadas, me eram agora
conhecidas. Regozijei!
Então percebi
que o insight tinha a ver com duas situações vividas por
mim em Lavras e que tinham me indignado. Uma era ligada aos
Motoboys e a outra às Clínicas Veterinárias. Nos dois
casos minha indignação estava ligada aos preços que praticavam.
Imediatamente eu entendi que, se as situações tinham a ver com
preço, tinham a ver com cartel. Na mesma hora eu
busquei no dicionário a palavra cartel: “acordo comercial entre
empresas produtoras de bens ou serviços, as quais, embora
conservem a autonomia interna, se organizam em sindicatos e/ou
associações para distribuirem entre si cotas de produção e
mercados, determinando preços a serem praticados e suprimindo a
livre concorrência “. Mas os Motoboys e Clinicas Veterinárias,
mesmo que combinem preços, não são o tipo de serviço que a
população não pode abrir mão. Então, como classificá-los? Do ponto
de vista mercadológico, talvez possam pertencer a um CARTEL
AUTOFÁGICO - aquele que se auto-destrói, que se alimenta da
sua própria carne.
Vejamos o caso
dos Motoboys que cobram em torno de R$ 1,50 por “corrida”.
Em Belo Horizonte o preço mínimo de Motoboys é hoje de R$ 15,00,
normalmente cobrados de bairros até o centro da cidade ou mesmo
dentro do próprio bairro - percurso de até 10 km. Resumindo, em BH
cobram R$ 1,30/Km, na média. Em Lavras o preço é R$ 0,35/Km. Um
absurdo de preço baixo. Aqui eles cobram em torno de R$ 1,50
porque, se cobrarem acima disto, não serão chamados. Eles estão
presos em uma armadilha que eles próprios montaram. Quem fizer
preço acima não trabalha. Mas quem trabalha por este preço
certamente vai quebrar. Então, vão trabalhando até quando acharem
algo melhor. Mas podem ter certeza: aqueles que param, saem em
pior situação do que quando entraram. O valor de R$ 1,50 não cobre
nem os custos variáveis – aqueles que só gastam se rodarem. Eu sei
que estou criando uma polêmica, mas eu convido toda a sociedade a
analisar a situação sob a visão de conjunto. Assim como não é bom
o Cartel que usurpa a população, não é bom o Cartel que serve à
população a sua própria carne. A sociedade precisa dos Motoboys.
Por isso, eu recomendaria a eles: organizem-se; façam um plano
para recuperarem os seus preços; façam um bom panfleto expondo à
população suas necessidades e os distribuam às pessoas que se
utilizam dos seus serviços. Creio que há espaço para vocês
praticarem preços justos.
Vamos agora ao
caso das Clínicas Veterinárias, que é antagônico ao dos
Motoboys. Em 14/11/2006, para passar uma sonda no meu gato
Chumbinho, que estava com retenção urinária, eu paguei a uma das
Clínicas lavrenses R$ 94,00 (em BH eu pagaria R$ 35,00). Dois dias
depois o Chumbinho morreu! Vejam, eu tenho hoje 14 gatos e 1 cão.
Dos 14 gatos, 13 são castrados. No dia 15/02/07, buscando meios de
castrar meu gato Menino, eu fiz uma pesquisa de preços junto às
Clínicas Veterinárias de Lavras. Fiquei assustado! Os preços?
Variavam de R$ 130,00 a R$ 250,00. Vale lembrar que estamos
falando da castração de um gato macho, cuja cirurgia é externa e
não precisa abrir o abdômen como no caso de castração de fêmeas.
Até levar o gato para ser castrado em BH, onde eu não pagaria mais
do que R$ 75,00, eu pensei. Acabei descobrindo que a UFLA, através
da sua Escola de Veterinária, também fazia cirurgias. Preço?
Exatos R$ 150,00 = R$ 30,00 de consulta; R$ 30,00 de eletro; R$
90,00 da cirurgia. Mas a minha angústia só se dissipou mesmo
quando fui informado de que eu poderia me cadastrar para o
“mutirão UFLA de castração de animais”, gratuito, se eu fosse
selecionado. Não tive dúvidas: cadastrei-me!
Sob o ponto de
vista legal os Motoboys e as Clínicas podem cobrar os preços que
quiserem, incluso aqui até a UFLA. Acontece que, como empresário e
consultor, que tem uma profunda vivência em empresas e mercados,
como administrador e consultor, eu não consigo me omitir diante de
tantas oportunidades de negócios que estão sendo desperdiçados na
área veterinária em Lavras. Assim, da mesma forma que eu dei uma
sugestão aos Motoboys, também vou dar sugestões aos envolvidos na
questão dos serviços veterinários em Lavras.
No Brasil existe
uma associação chamada ANCLIVEPA (Associação Nacional das
Clínicas Veterinárias de Pequenos Animais) que cuida, entre outras
coisas, de sugerir preços a serem praticados no mercado. Sobre as
Tabelas Sugestões de Preços que associações, sindicatos ou
empresas-mãe de alguns nichos de mercado sugerem aos seus
vendedores, representantes, associados e filiados é bom saber que:
essas Tabelas normalmente são montadas tendo como base a pior
situação de custo e a melhor situação de vendas. Essas duas
variáveis somadas vão dar os maiores preços possíveis, preços
estes que só podem ser praticados em bairros nobres das melhores
capitais. Ao analisarmos outros bairros ou cidades, onde residem
pessoas com menor poder aquisitivo, esses preços precisam ser
adaptados.
Para exemplificar, vou tomar a
Clínica CÃES & AMIGOS situada na região da Pampulha, em BH. Essa
Clínica Veterinária, que cuidou dos meus animais nos últimos 13
anos, pertence ao casal e sócios Dra. Tereza e Dr. Marcos. Essa
conceituada Clínica tem até parceria com o IBAMA na recuperação de
animais silvestres que são apreendidos. A Dra. Tereza, além de ser
médica veterinária clínica é uma das maiores especialistas do
Brasil no uso de homeopatia em tratamentos de animais. Agora vejam
os preços que essa Clínica pratica na área da Pampulha, uma das
regiões nobres da grande BH: um conjunto de bairros que tem uma
capacidade de compra de bens e serviços muito maior do que toda a
cidade de Lavras e região. Ressaltando, esta Clínica também é
associada à ANCLIVEPA, mas faz a adaptação dos preços sugeridos
com muita maestria. Consulta = R$ 40,00; cirurgia de castração de
gato macho = R$ 100,00. Para clientes que tenham acima de 5
animais o desconto sobre estes preços é de 25%. Se levarmos em
consideração apenas o custo variável da cirurgia: fio de sutura,
lâmina de bisturi, sedativo, anestesia local (gato macho),
seringa, antibiótico e a manutenção do campo cirúrgico, o lucro
bruto da operação de castração, mesmo com desconto, ainda continua
atraente.
Voltemos agora
para a nossa querida Lavras! Se fizermos uma analogia entre os
preços de BH e de Lavras, podemos deduzir que aqui os serviços
veterinários estão disponíveis apenas para a classe mais abastada
da população: a elite. Elite esta que certamente exige serviços de
primeiro mundo, ou seja, fazer eletrocardiograma e avaliação de
risco cirúrgico, além de outras técnicas, em todas as consultas
e/ou cirurgias. Serviços esses onde o que menos importa são os
preços. Em contrapartida, essas Clínicas de primeiro mundo recebem
o reconhecimento dos seus usuários, o que é muito justo e
importante para elas manterem seu status quo. Mas que não
se iludam: o mercado veterinário da elite é finito. Duvidam?
Observem como as Clínicas se degladiam na mídia escrita, apenas
para se manterem, já que é difícil encontrar clientes novos.
Custos de divulgação estes que vão compor os seus elitizados
preços. Mas há quem diga que as Clínicas simplesmente acompanham
os preços praticados pela UFLA. Eu, que já fiz castrações em 5
cães e 67 gatos(as) do meu plantel em 15 anos, sempre adotei uma
postura sensata e econômica: se os meus animais são jovens e
saudáveis, eu sempre dispensei o uso de eletrocardiograma e risco
cirúrgico nessas cirurgias de castração. Nunca tive qualquer
problema.
Agora, as sugestões:
1 – Para a
UFLA: fazer uma pesquisa
de mercado para saber quais são os valores que os lavrenses de
classe média e classe média baixa – aqueles cujos animais de
estimação não têm pedigree - estariam dispostos a pagar por alguns
serviços veterinários do tipo: consultas, internações e pequenas
cirurgias. O uso da Curva de Gebhard Gauss poderia ser indicado.
Por intuição, eu não me surpreenderia se essa pesquisa apontasse
para valores menores do que os praticados pela Clínica CÃES &
AMIGOS, de BH. Talvez valores próximos de 50% dos preços que hoje
são praticados nesta cidade.
2 – Para a
UFLA: apresentar os
resultados da pesquisa aos formandos e formados em Medicina
Veterinária. Os empreendedores natos que existem nessas turmas
logo ligarão as suas antenas para a possibilidade de montarem
novas Clínicas em Lavras para atenderem a esse novo nicho de
mercado. Apresentar os resultados também para as Clínicas
Veterinárias atuais.
3 – Para as
Clínicas Veterinárias:
observar bem os dados da pesquisa com olhos de empreendedor.
Apesar de eu não acreditar que se sentiriam estimuladas a mudar de
nicho de mercado pois o risco poderia parecer alto demais, é
possível que algumas delas resolvam ousar. Ao contrário dos
Motoboys, que estão presos na armadilha cartelista autofágica por
falta de liderança, as Clínicas Veterinárias estão presas na
armadilha cartelista autofágica por falta de visão mercadológica.
4 – Para os
empreendedores, veterinários ou não, ainda sem paradigmas:
saibam que, trabalhar para as classes média e média baixa não dá
status, mas dá dinheiro. Mas não se esqueçam de que o mundo
capitalista, terra natal dos verdadeiros empreendedores, não
premia atitudes de lealdade entre concorrentes - quando combinam
preços e fatias de mercado. Lealdade? Só com os clientes do seu
negócio.
5 – Para a
UFLA: neutralizar a sua
posição como baliza no mercado de serviços veterinários. Os altos
preços que cobram balizam os preços das Clínicas particulares. Se
em compensação, com o mutirão de serviços e castração gratuita
atendem aos carentes, acabam criando problemas para os cidadãos
que não podem pagar os altos preços mas podem pagar alguma coisa,
sem benevolência. Analisem para ver se não seria melhor a UFLA
sair do mercado de serviços veterinários cobrados para incentivar
e acompanhar os seus formandos na montagem de seus próprios
negócios e oferecer serviços gratuitos somente a quem,
comprovadamente, não puder pagar. Ou para animais com doenças
raras. Sem os parâmetros de preços da UFLA, as Clínicas atuais e
futuras se ajustarão ao mercado para atenderem à elite e aos
cidadãos de menor poder aquisitivo. Assim, a UFLA estaria mais
voltada para a sua precípua missão que é a de preparar
profissionais para o mercado. Mas tem uma coisa que eu sempre quis
saber: por que as nossas universidades preparam tecnicamente os
melhores profissionais mas não os melhores empreendedores? Por que
os formandos e formados entendem tão pouco sobre vendas e mercado?
Finalmente, é
observarmos para ver quem vai ousar se beneficiar da máxima do
marketing que diz: “melhor do que ser o maior é ser o primeiro”.
Erlei Moreira
Engenheiro,
Professor,
Consultor e
Escritor
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