PROFISSÃO
DE FÉ PELOS MEUS PAIS
(manifesto público de
convicções)
Hoje, 31 de Janeiro, é a data em
que eu comemoro o nascimento do meu pai – 31/01/1900.
Durante muito tempo eu insisti com meu pai para que ele registrasse, em
palavras, as histórias que eu o vi contar por várias vezes e que
eu prestava a maior atenção. Quando ele aceitou registrá-las, na
mesma hora eu providenciei um caderno enorme, tipo universitário,
com separações para várias matérias. Ele escreveu não mais que 29
páginas, pouco mais de 9 meses antes do seu falecimento em 12 de
Novembro de 1982. Minha mãe, por sua vez, foi a personalidade
racional da família. Muito calada, ela contrastava com a
personalidade expansiva do meu pai (aquariano). Hoje eu entendo
que, mesmo calada, ela foi a espinha dorsal da família. O
falecimento da minha mãe deu-se em 17 de Dezembro de 1987. Apesar
de nos anos 60 nós termos tentado ensiná-la a ler e a escrever,
ela não conseguiu aprender e morreu analfabeta. Com justa razão
meu pai e principalmente minha mãe ficaram radiantes e orgulhosos
na festa da minha formatura em engenharia, 1975, em Belo
Horizonte. A publicação de uma pequena parte desta história neste
jornal é um tributo que presto aos meus pais, que não só me deram
a vida biológica mas me deram exemplos (memes, diria Richard
Dawkins) que deixaram marcas indeléveis na minha personalidade.

Para facilitar o entendimento
desta history of the real life (história da vida real), eu
transcrevo abaixo uma pequena parte do que ele escreveu. Pelo fato
de ter participado, como coadjuvante, desta história eu farei a
tradução e farei também algumas inserções e observações, quando
julgar oportuno.
ORIGINAL
Relação di minha vida Di quando
eu naci Eu naci em 31 de Janeiro di 1.900, João Moreira
Sobrinho
e a Figenia em Junho di 1903 que
Naceu quem for li esta iscrita peso descurpar porqui esta mal
escrito peso na reparar não tem ponto e tem muito ero porque qum
escreveu só 7 mez di escola na rosa e foi por um profesor
particolar porqui noz tinha di esdudar e pesar no cerviso qui
tinha di fazer João Moreira Sobrinho Em 31 de Janeiro de 1.900
Pasna 1 Barreiro Eu comesei a fazer estra descriminasão em fim de
Janeiro de 982 Eu naci em 31 de Janeiro de 1.900 Até a idadi 3
anos eu não sabia oque sepasava na vida depois di 3 anos comesei
afazer alti. O meu Pai conprava prego para mim fazer cazinha e
comprou um martilo aminha vida era fazer cazinha e coral di vaca
mas eu era muito nervozo mais quando algem me amolava eu semtava o
martelo nos pregos e emterava todos e depois ia fazer de novo i ai
a idadi foi e eu comtinava na brica= deira e com isso a idadi foi
pasando qando eu chegei asus 9 ana o Papai estava cortano um
capaeirinho no pasto e tinha carro puchando a lenha eu temtei
conpanhar o carro é o carro qando vinha caregado para casa eu
temtei subir encima da lenha e o careiro sangou com migo mais subi
asimesmo numa decida au cai no meius do bois e fui para debaixo da
roda do cara a roda mi pegou no resto e mi abri o rosto e o
careiro gritou por Nosa senhora di Nazaré e o caro alenvontou e
pasou porcima di mim e não me pegou mais o caro acabou de pasar
deu uma bacada e jogou a lenha qui esta solta por sima nos pés di
café e esa lenha ficou lá um ano nengem tirou eu ainda sai di=
baicho do caro e o careiro gritou Papai qui esta perto e elli veio
e mi pegou e mi levou para casa e pegou o cavalo e foi em Perdões
buscar o medico ele veio e ali ele mi fez o corativo e me emrolou
a cabesa toda com poças dias eu não tinha mais nada o careiro
descaregou o carro di lenha e soltou os bois e não cariar ma eli
aboreu e foi embora para são Paulo e não voltou mais .......
TRADUÇÃO
Esta é a história da minha vida.
De quando eu nasci, até hoje. Eu nasci em 31 de Janeiro de 1.900.
Meu nome é João Moreira Sobrinho (ZICO). E a Efigênia,
minha esposa, nasceu em Junho de 1903 (ninguém nunca soube
exatamente o dia). A quem for ler esta história, eu peço
desculpas pois está mal escrita. Não tem ponto final, vírgula e
tem muitos erros de português. É que eu só tive 7 meses de escola,
na roça, e assim mesmo por um professor particular. Isto porque
nós tínhamos que estudar e fazer todo o serviço que tinha que ser
feito. João Moreira Sobrinho. Nascido a 31 de Janeiro de 1.900. Página 1 -
Barreiro (município de Perdões/MG). Eu comecei a escrever
esta história em fins de Janeiro de 1.982. Eu nasci em 31 de
Janeiro de 1.900. Até a idade de 3 anos eu não sabia o que se
passava na vida. Depois dos 3 anos eu já comecei a fazer arte (estrepolias).
O meu pai comprava pregos para eu fazer casinha e curral de gado.
Mas eu era muito nervoso. Quando alguém me chateava eu sentava o
martelo nos pregos e enterrava tudo. Depois eu refazia tudo de
novo! A idade foi passando e eu continuava na brincadeira. Quando
eu estava por volta dos 9 anos de idade, me lembro do meu pai
estar cortando uma capoeirinha (mata feita de pequenos arbustos)
no pasto, cuja lenha tinha um carro de boi levando-a para a nossa
casa. Eu gostava de acompanhar o carro de boi carregado. Nesse dia
eu tentei subir em cima da lenha. O carreiro zangou comigo, mas eu
subi assim mesmo. Numa descida eu escorreguei e caí no meio dos
bois e fui para debaixo do carro. A roda me pegou no rosto e ia
passar por cima de mim. O carreiro gritou por Nossa Senhora de
Nazaré. Nesse momento, a roda do carro que ia passar sobre mim
levantou-se e passou por cima de todo o meu corpo sem me tocar (a
marca desse acidente foi um corte muito profundo de 3cm a 4cm,
verticalmente, na lateral direita do rosto e abaixo da fronte que
o acompanhou por toda a vida). Assim que terminou de passar
por mim a roda voltou ao chão com uma bacada (baque)
jogando toda a lenha que estava solta em cima do carro nos pés de
café que estavam lateralmente próximos (quando ele contava
esta história dizia sempre que o carro, ao passar com a roda no
alto por sobre ele, continuava cantando – é que os eixos dos
carros de boi eram lubrificados com sebo bovino para emitir um som
alto, que podia ser ouvido por toda a região). Essa lenha
ficou lá um ano, sem ninguém tocar nela. Eu saí de debaixo do
carro e o carreiro gritou papai, que estava perto. Ele veio, me
pegou e me levou para casa. Após isto, pegou o seu cavalo e foi em
Perdões (distante uns
12 km)
buscar um médico. O médico veio, me fez curativo (com muitos
pontos) e me enfaixou toda a cabeça. Em poucos dias eu não
tinha mais nada. Voltando ao carreiro, ele descarregou a lenha do
carro, soltou os bois e não quis mais carrear (trabalhar com
carro de boi). Foi embora para São Paulo e não mais voltou.
.......
Esta narrativa continua por mais
28 páginas (vide site
www.erlei.com.br) contando histórias dele, de minha mãe e de
cada um dos 9 filhos, além do trabalho dele nas baldeações de
soldados mineiros que passavam por Lavras e iam para SP na
Revolução de 1932, registro este que já foi cedido ao Museu Bi
Moreira – ele começou na enxada e terminou como trabalhador da
RFFSA (um exemplo de empreendedorismo). Eu tenho muito orgulho de
tê-los tido como meus pais.
Erlei Moreira
Engenheiro,
Professor,
Consultor e
Escritor.
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