RECURSO HUMANO OU PESSOA?

 

Deixar de ver um recurso humano em cada pessoa, para ver uma pessoa em cada recurso humano, é um novo paradigma para as empresas.

 

Qualquer um sentir-se-ia um privilegiado em ter sido treinado, pós engenharia, por mais de 2.800 horas, como eu fui. Nem tanto, se olhasse pelo retrovisor e percebesse que 97,4% desse tempo foi utilizado pelas empresas na tentativa de transformá-lo numa eficiente máquina, apenas.

 

As empresas brasileiras, em sua maioria, não possuem um programa adequado de qualificação e motivação de sua mão-de-obra, um dos caminhos para reduzir o Custo Virtual (custo passivo da mão-de-obra). Mão-de-obra esta que é paga não pelo que produz, mas pelo tempo que fica à disposição da empresa. Portanto, saber utilizar esta disponibilidade é a chave do sucesso da empresa. O conteúdo e a forma dessa utilização delineiam o corpo das idéias que serão aqui defendidas. Assim, o objetivo deste artigo de trazer à tona tais discussões é o de ajudar a melhorar a qualidade das decisões que, eventualmente, precisarão ser tomadas pelas pessoas que detêm o poder nas empresas.

 

A caricatura do Brasil pode ser tida mais ou menos assim. Variação percentual da produtividade por empregado de 0,92% contra 10,2% da Coréia do Sul. Custo médio de produção 26,6% mais caro do que o padrão mundial. Receita média anual de US$ 65,972 por trabalhador quando a média dos países desenvolvidos é de US$ 179,000 etc, etc, etc.

 

Plagiando R. H. Coase, “é inútil torturar os números para fazê-los confessar outra coisa”. Na verdade, continuamos a cometer erros de avaliação e de escolha de soluções. Por exemplo, em que pese o excelente modelo produtivo praticado pelo Japão, para fazê-lo funcionar no Brasil só importando, junto, os japoneses. Essa minha visão patriótica, entretanto, não me impede de reconhecer que a ginástica matinal incentivada pelas empresas japonesas é muito salutar. Assim como o jejum, o exercício físico é um excelente tônico para o organismo, independente do porquê e de quem o recomende.

 

A oposição que faço à busca de soluções prontas (prêt-à-porter) baseia-se, em princípio, na lógica dos antagonismos culturais e étnicos. De mais, já está na hora de nós, brasileiros, assumirmos o nosso país e o nosso povo. Admirá-los e orgulharmo-nos deles, sem ufanismo. Fazermos a nossa hora e o nosso destino.

 

Esta não é uma proposta para esquecermos a inconsistência dos nossos Governos, nossos Legislativos e nosso Judiciário. Também não podemos esquecer que mais de 40% dos nossos irmãos brasileiros não encontram razões para sentirem orgulho do Brasil. Que mais de 25% da nossa safra agrícola ainda continue sendo desperdiçada. Que o nosso transporte urbano consegue a proeza de comprimir 11 pessoas em apenas 1 m2.

 

É, sim, uma proposta de restauração da credibilidade dos brasileiros em seu próprio país. Não faltam em nós a capacidade e a criatividade para resolvermos nossos próprios problemas. Faltam, sim, autoconfiança e seriedade para deixarmos de rir das nossas próprias mazelas, aprendermos a trabalhar melhor (não mais), sermos menos egoísta. Ao empresário, falta desenvolver e qualificar melhor a mão-de-obra da sua micro, pequena ou média empresa, onde mais de 65% dos trabalhadores brasileiros constroem mais de 50% da produção nacional.

 

Todavia, desenvolver e qualificar essa mão-de-obra não significa só prepará-las para executar corretamente as tarefas. Mas para fazê-las com satisfação. No Brasil, o grau de insatisfação no trabalho é tão grande que fortalece a idéia do “trabalho-maldição” vigentes nos últimos cinco séculos: coisa para escravos. Onde, trabalhar 35 anos dá, como prêmio, o direito de se aposentar e não mais trabalhar (com que salário???!!!). Ironias à parte, isso é um contra-senso.

 

O trabalho, já está provado, é uma necessidade humana. A felicidade também. E essas duas coisas não são inconciliáveis, muito pelo contrário. O que tem sido esquecido é que recurso humano e pessoa são os dois lados de uma mesma moeda. Só adestrar o recurso humano, quando é feito, não lhe confere maior produtividade, nem felicidade. É preciso desenvolver e estimular o seu lado pessoa. Entender que a motivação no mundo ocidental é centrada nos interesses do indivíduo e que nem sempre é conseguida com maiores salários. Ignorar esses aspectos e tentar transformar o profissional numa máquina apenas reforça a prática da apologia empresarial de que tudo na empresa pode ser considerado como um equipamento, ou como sendo de sua propriedade. Visão esta que sempre norteou o ideário de boa parte dos empresários brasileiros.

 

Aliás, isto é o que vem coibindo maiores investimentos em qualificação de mão-de-obra. Ninguém quer “treinar para o concorrente”, uma vez que é impossível ter direito de propriedade sobre o recurso humano. Pior ainda é o caso do funcionário que, treinado, sua chefia o impede de praticar o que aprendeu. Por tudo isto, é preciso resgatar a ligação afetiva do funcionário com a empresa. Criar, mesmo que subjacente, o “Contrato Psicológico de Trabalho”, o “Salário Felicidade”, o “vestir a camisa” com prazer, o envolvimento da pessoa com as metas da empresa e o seu interesse em trabalhar por elas.

 

Por isto, o maior desafio para os nossos empresários nesse início de terceiro milênio será o de deixar de ver um recurso humano em cada pessoa, para ver uma pessoa em cada recurso humano. Reconhecer as diferenças ideológicas, respeitá-las e aprender com elas. O advento da internet vem criando, indubitavelmente, a “massa crítica” fundamental para a democratização definitiva da informação. A criação da consciência da consciência, cujo resultado pode ser medido pelo impacto causado no mundo todo pelo relatório da ONU sobre o Aquecimento Global. Isto mostra que o homo sapiens está cada vez mais espontâneo, participativo e livre. E é exatamente isto que a BBDO Worldwide, uma agência multinacional de propaganda, vem sinalizando. Pesquisados 10 países, Brasil entre eles, detectou-se que o homo sapiens do futuro será sensível, pacifista e buscará qualidade de vida. Não será workaholic (ergomaíaco), machão, feminista ou infiel. Buscará “ser” ao invés de “ter”.

 

Mesmo considerando que o crescimento da prática focada no indivíduo como pessoa é uma realidade nas relações internacionais, a absorção dessa tendência pouco ortodoxa pelas empresas não será fácil. Afinal, o treinamento tradicional só enfatiza o aprendizado intelectual, não o emocional; só ensina a pensar, não a sentir.

 

Nas grandes organizações, detentoras de um periscópio mais sensível voltado para o mercado, a demonstração de uma face mais socializada da empresa já é um fato. Muitas delas, obrigadas até pelos acionistas, já apresentam o seu balanço social. E deve ser pelo prisma da participação social da empresa que o nosso empresário deve ter o seu foco de empreendedor nato. Empresas ao estilo “Casa Grande e Senzala” estão condenadas socialmente. Em época de diet lucro, reduzir o Custo Virtual, valorizar e ajudar os funcionários a crescerem como pessoas, além de abrir uma janela da empresa para a sociedade, é uma receita que promete muitos lucros. E o caminho mais curto é investir em treinamento do pessoal. Treinar é como plantar! Só o faz quem tem olhos para o futuro. Investindo 0,8% do faturamento total anual da empresa garante 40 horas de treinamento para cada colaborador, a cada dois anos. O retorno, em produtividade, pode superar os 30%.

 

Resumindo, desenvolver simultânea e igualmente o recurso humano e a pessoa, não é uma escolha poética ou filantrópica. É uma opção sensata de quem tem sensibilidade para acompanhar as tendências e prospectar novas fontes de lucro. É uma decisão inteligente de quem tem a responsabilidade de transformar oportunidades em resultados empresariais.

 

Erlei Moreira

Engenheiro, Professor,

Consultor e Escritor.

 

 

 

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