O PODER NAS
ORGANIZAÇÕES
MEIO OU FIM?
Sexo e poder, áreas tradicionais
do machismo e do autoritarismo sobrepujarem-se, sempre foram
assuntos proibidos. O sexo vem sendo desmistificado desde os anos
60. Está na hora de fazer o mesmo com o poder, principalmente nas
organizações. Sob pena de termos que continuar convivendo com o
estilo de administração “Casa Grande e Senzala”.
No reino animal,
para disputar uma fêmea e ter o direito de ver seus gens
reproduzidos, o macho é levado, instintivamente, a lutar com
outros machos. Em alguns casos até à morte. Essa competição,
criada pela mãe natureza, garante que a perpetuação da espécie se
dará através dos melhores. No nosso caso é um pouco diferente. O
sexo na raça humana é uma atividade social. Não tem só a função de
reprodução mas outras, como o prazer. Por isso, as contestações
dos anos 60 enterraram de vez os preconceitos sobre a sexualidade
humana, passo fundamental para melhorar a qualidade de vida das
pessoas, da família e da sociedade. Mesmo cabendo também à fêmea
da nossa espécie o papel de escolha do parceiro, a batalha entre
os machos humanos não acontece, pelo menos na maioria das vezes. O
mesmo, infelizmente, não ocorre em relação a um tipo especial de
competição humana: a briga pelo poder social.
Na organização social, já é
sabido, o uso do poder é uma necessidade, quando associado à
responsabilidade. Na empresa não é diferente. Portanto, esta
reflexão que aqui fazemos não pretende questionar a necessidade do
poder como “meio”, mas a forma como ele, na maioria das vezes, é
utilizado: como “fim”. A propósito, considera-se como detentores
do poder nas empresas não só a Diretoria, mas todos os ocupantes
de cargos que gerenciem pessoas.
Segundo pesquisas realizadas nas
décadas de 70/80 por Claire Raines, consultora americana, as
gerações do século XX podem ser divididas em três classes: os
Tradicionalistas, nascidos até 1945, cujo ideário é a crença nas
“instituições e no sistema”; os Baby Boomers - correspondentes aos
da Jovem Guarda no Brasil - nascidos de 1946 a 1964, cujos valores
são voltados para “a verdade e a liberdade”; e os Baby Busters -
correspondentes aos caras-pintadas no Brasil, geração que
determinou o impeachment de Collor - nascidos após 1965, cuja
bandeira é “a valorização da cidadania, a liberdade e a justiça”.
Vale ressaltar que esta classificação não deve ser vista como um
balizamento rígido em relação aos anos, mas como uma tendência
comportamental coletiva.
A consultora chama a atenção para
os Baby Boomers, pois foram eles que mudaram o mundo com a
revolução sexual dos anos 60. Foi a geração do “faça amor, não
faça guerra”, que ousou questionar o “sistema” - incluindo seu
esquema corrupto - assim como a lealdade e obediência cega às
instituições mantenedoras de guerras como as do Vietnã e da
Coréia. Em seqüência, brigaram pelos direitos humanos, pela ética,
pelo respeito às pessoas, pela igualdade, pela integração racial,
pela ecologia e pela liberdade individual. Mais do que isso
criaram estilos de vida alternativos. Mesmo sendo os protagonistas
principais dessa briga por mudanças visando o fortalecimento da
pessoa, parte da geração jovem guarda não tem sido muito feliz na
sua forma de lidar com o poder. Neste particular, parecem ter se
esquecido do seu norteamento mor e mostram-se dicotômicos ao
permitirem que o poder, na maioria das nossas empresas, ainda seja
usado para oprimir as pessoas.
Isso acontece
porque, particularmente no Brasil, observa-se um fato interessante
quanto à formação das empresas. Pesquisas já demonstraram que os
brasileiros são empreendedores, pois sempre estão querendo montar
seu próprio negócio. Nada mal, não fossem as razões que alimentam
estas características: a incapacidade das empresas em promover a
satisfação dos seus funcionários com o trabalho. Os insatisfeitos
no emprego, tão logo conseguem virar empresários, por tendência,
sofrem uma transformação radical: deixam predominar o seu lado
paternalista, característica forte em qualquer povo latino.
Acontece que, para uma pessoa
assumir seu lado paternalista, vai precisar de alguém que lhe seja
submisso. Como ninguém é naturalmente submisso, esse novo
empresário, através do seu poder de recompensa e punição, acabará
forçando a criação de um sistema feudal na empresa. Sistema esse
onde os profissionais não-conformistas e assertivos dificilmente
conseguem sobreviver. Assim, insatisfeitos, serão os próximos
candidatos a futuros empresários, paternalistas, carentes de
obediência, etc, etc, etc. E a história se repete!
Não bastasse isto, nos níveis
intermediários acontece uma coisa ainda mais curiosa. Normalmente
são ocupados por dois tipos de pessoas: as insatisfeitas, que não
se julgam em condições de sair e transformam-se em parasitas
funcionais; e aquelas que, aceitando o jogo da submissão,
desempenham dois papeis dentro da pirâmide hierárquica – são
submissos para cima e opressores para baixo. Uma sistematização
perfeita do uso conturbado do poder.
Discutir sobre a má utilização do
poder nas organizações não faz parte da rotina empresarial, mesmo
numa sociedade da era da informação. Isso porque, falar do mau uso
do poder na empresa é tocar nas deturpações da personalidade de
quem o exerce, que em boa parte das vezes é o próprio dono da
empresa. Normalmente são pessoas incapazes de sintonizar o poder
de direito - conferido ao cargo - com o poder de fato -
conquistado pela liderança. Talvez este tema ainda seja mais
delicado de abordar agora do que o assunto sexo nos anos 60.
Representando o direito concedido
a alguém para deliberar sobre coisas que interferem na vida de
outras pessoas, o poder precisa ser utilizado com sabedoria e
talento. Mas não é isto que se observa. Por exemplo: racionalmente
o poder é mal utilizado na empresa quando determinada chefia, não
sabendo conviver com opiniões contrárias às suas, monta
verdadeiras arapucas para prejudicar quem ousa questionar seus
posicionamentos. Ou mesmo xinga seus supervisados em público
utilizando-se de ironia, sarcasmo, indiretas ou deboches. Nessa
direção há pesquisas apontando que, nas grandes empresas, mais de
50% do tempo dos seus executivos são utilizados em manobras de
bastidores. Como se vê, um habitat perfeito para manter a cultura
do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, jargão usado por
muitos chefes que emocionalizam o uso do poder.
Em que pese a gravidade dessas
questões e a necessidade de soluções rápidas, tudo leva a crer
que, apesar das grandes transformações que vêm ocorrendo no Brasil
serem frutos da geração jovem guarda, a solução para essa questão
não deve ocorrer pelas mesmas mãos. Afinal, o combate à corrupção
e ao corporativismo - mensalões e sanguessugas inclusos - parecem
tão mais trabalhoso do que se imaginava e não deve sobrar tempo
para mais nada. Tão trabalhoso que foi preciso aceitar a ajuda dos
caras pintadas, hoje transformados em valorosos Promotores de
Justiça, orientação maior da sua geração.
O que se espera da geração jovem
guarda - que está hoje na casa dos 40, 50 e 60 anos e que ainda
detém o poder maior - é que não dificulte mais as coisas para os
seus sucessores, os caras pintadas. Esses jovens adultos vão
precisar de liberdade para cumprir a sua missão. A mesma liberdade
que tão valorizada foi na bandeira dessa mesma jovem guarda.Tomara
que este detalhe seja a garantia de liberdade para os Baby Busters,
porque é inconcebível ver a geração que garantiu o primeiro
impeachment no mundo, recolhida às baias de rígidos retângulos do
organograma funcional. Eles não se recolherão à Senzala, submissos
ao controle títere do senhor feudal na Casa Grande.
Erlei Moreira
Engenheiro, Professor,
Consultor e Escritor.
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